domingo, 10 de janeiro de 2010

Acção em contexto de promoção do desenvolvimento local (versão corrigida)

Escrevo este post para dar um exemplo da pertinência analítica de alguns dos conceitos que explicitei nesta página, quando se trata de pensar numa área fundamental do curso de mestrado, o desenvolvimento local.

É relativamente consensual a opinião, entre as pessoas das ciências sociais mas também entre múltiplos agentes de desenvolvimento local, que o desenvolvimento deve ser integrado, isto é, pensado e agido em função da melhoria de condições de diversos âmbitos - ambiental, económico, social, cultural. Não menos consensual é a ideia de que uma estratégia de desenvolvimento local envolve tendencialmente a construção de formas de organização da acção dos agentes implicados no desenvolvimento diferentes das formas de organização mais rotineiras das organizações locais, sobretudo estatais. Esta diferença nota-se particularmente quando se dá o confronto entre uma acção centrada numa racionalidade burocrática, característica da maioria das organizações públicas com intervenção, mais ou menos directa, no desenvolvimento local e uma acção centrada num trabalho de proximidade, mais flexível e adaptado aos contextos em que se pretende intervir e, nomeadamente, às necessidades particulares dos contextos em que se pretende intervir.

Esta questão pode ser pensada a partir dos conteúdos da U.C. relativos à integração de diferentes regimes dinâmicos nas organizações.

Na verdade, a resposta, ao nível da organização do trabalho para o desenvolvimento, que tem vindo a ser dada por muitas entidades a nível local e a qual tem, por vezes, logrado algum sucesso interventivo, é a intervenção numa lógica de parceria. O que é interessante na parceria, do ponto de vista da sua capacidade para organizar respostas em contextos complexos de acção (como lidar com a toxicodependência, promover a saúde das populações, educar adultos ou construir quadros de integração juvenil) é a sua flexibilidade organizativa, que permite uma intervenção para o desenvolvimento de geometria variável, organizável e reorganizável com baixos custos e esforço, em função das mudanças na realidade; e a sua capacidade integradora: por colocar a trabalhar em conjunto pessoas e organizações com vocações e competências diversificadas, facilmente propicia respostas integradas a fenómenos complexos - ao contrário da resposta burocrática, tendencialmente departamentalizada e, como tal, centrada num único domínio de intervenção (por exemplo, a acção social). É frequente, por conseguinte, encontrarmos parcerias capazes de se reorganizarem em função das necessidades de intervenção e capazes de responderem a problemas que, por exemplo, envolvam uma resposta integrada ao nível da saúde, da formação de adultos e da acção social. Finalmente, a parceria pode com facilidade integrar o ponto de vista dos respectivos destinatários, o que contribui para destecnicizar e democratizar a própria intervenção e facilitar a apropriação dos respectivos resultados pelas populações destinatárias.

Ora, do ponto de vista do confronto entre diferentes regimes de acção, quando pretendemos fazer organizações burocratizadas envolverem-se num trabalho em parceria, deparamo-nos frequentemente com tensões entre os mesmos. Isto, porque temos, de um lado, um regime de acção em plano, estruturado em organizações burocratizadas, orientadas para a eficiência, hierarquizadas, com circuitos formalizados de circulação de informação e de tomada de decisão, orientadas para a previsibilidade e o planeamento, rotinizadas e cujos profissionais se distinguem - idealmente - pela competência técnica (é evidente que esta é uma caracterização abstracta e que, em cada caso concreto, as organizações são mais complexas). De outro lado, uma acção, em parceria, com componentes fortes (não exclusivas) de um regime familiar: organização do trabalho com uma forte personalização da acção, não hierarquizada na base da competência técnica, informal, sem circuitos longos e definidos de tomada de decisão, mas redes e sociabilidades informais, centrada no fazer mais do que no planeamento em detalhe, vocacionada para um trabalho de proximidade.

O que também é relevante notar é que a acção em parceria parece constituir-se não só num regime familiar, mas através de um trabalho de composição entre diferentes regimes: se a parceria de desenvolvimento local visa destecnicizar, flexibilizar e tornar integradora a acção organizada para a constituir numa modalidade de proximidade, ela não deixa de necessitar de ser planeada (idealmente, de forma estratégica - planeamento estratégico), de rotinizar minimamente práticas e estabelecer um mínimo de formalização nos circuitos de circulação de informação e tomada de decisão, bem como um mínimo de eficiência e de tecnicidade. Tendo em conta que uma sociologia dos regimes de envolvimento na acção nos diz que a capacidade de envolvimento com sucesso em diferentes regimes de acção está associada à posse de diferentes competências, podemos então pensar que o perfil do agente de desenvolvimento local que se envolve num trabalho de dinamização de parcerias deverá ser o de alguém capaz de se "movimentar" nestes diferentes regimes e de minimizar as suas tensões. Nomeadamente, as tensões entre os aspectos mais formais da acção em plano e os aspectos mais informais da acção num regime de proximidade que a parceria necessariamente envolve. Alguém capaz de alternar entre proximidade familiar e generalização técnica; entre o domínio dos saberes informais, práticos e tácitos e o domínio dos saberes formalizados, teóricos e explícitos; entre a negociação em condições informais e a negociação em circuitos formais e especializados - e, também, deverá ser alguém capaz de fazer surgir, na prática, as virtualidades da composição activa de intervenções que integrem estas e outras dimensões dos diferentes regimes de acção. Assim, por exemplo, alguém com um perfil exclusivamente técnico pode nem sempre possuir o perfil indicado, da mesma maneira que alguém com um perfil mais exclusivamente "voluntarista" e habituado ao trabalho de assistência e proximidade às populações também não. Importante talvez seja, realmente, um perfil que estabeleça um bom compromisso entre estas características e as competências que lhes subjazem. Por exemplo, um(a) assistente social que é capaz de adaptar, localmente, um normativo legal, complementando uma prestação definida por Lei com recursos locais, mobilizados por uma rede de sociabilidade, os quais garantem um maior conforto da pessoa destinatária, que foi previamente ouvida nesse sentido, num registo de proximidade. Como um(a) animador(a) sociocultural que mobiliza uma rede de parceiros locais para intervirem ao nível da formação informal dos estudantes de uma escola (por exemplo para desenvolver competências sociais), nos espaços de recreio, ao mesmo tempo que consegue discutir e negociar com o corpo docente aspectos técnicos e pedagógicos da sua intervenção e compreender e discutir com profundidade técnica o seu papel no Projecto de Escola.


Note-se, finalmente, que, em concreto, esta leitura terá sempre de ser especificada: quer a "competência técnica", quer as "competências de proximidade", terão diferenças consoante as áreas de intervenção. Quer a um nível, quer a outro, não é a mesma coisa intervir na área da saúde ou do emprego. Não obstante, parece importante não perder de vista o aspecto mais transversal de reunião de competências de diferentes âmbitos (regimes), que permitem um verdadeiro trabalho de projecto em parceria.