domingo, 10 de janeiro de 2010

Exemplos: II

O processo de desafiliação, de que fala Robert Castel, é um processo de perda progressiva do(s) laço(s) social(is), associado à saída de uma "zona" de coesão social definida pela integração laboral e ao desenvolvimento de sociabilidades mais correlacionadas com o trabalho do que podem parecer a uma análise mais apressada.

Segundo Castel, trata-se de um processo de invalidação social. Retraduzindo esta questão na terminologia de Claude Dubar, diríamos que a transacção objectiva se encontra, em primeiro lugar, num estado tensional com a transacção subjectiva, na medida em que o indivíduo, na sua subjectividade, inicia um processo pelo qual obtém cada vez menos reconhecimento no olhar do outro e, correlativamente a atribuição identitária feita pelo(s) outro(s) segue o caminho da desvalorização. Finalmente, a transacção objectiva chega a um estado que talvez se possa classificar como indefinido (passe o paradoxo), ou mesmo (será possível?) inexistente, na medida em que o seu pressuposto é a ausência: o sujeito torna-se invisível ao olhar do outro. Falando-se de transacção, de troca, ela parece escapar-se insidiosamente desta situação. Este registo é crítico, ainda, porque a voz do indivíduo tende a anular-se. Por outras palavras, a sua possibilidade de reivindicação identitária tende para zero.

O trabalho de reabilitação de pessoas nesta condição, parece-me, apenas tem a ganhar por ser um trabalho de proximidade. Um trabalho de familiarização interpessoal, numa lógica do cuidado - ou seja, uma intervenção em que, como bem diz Antónia Perdigão, o cuidado é a base da intervenção profissional e não a intervenção profissional a base do cuidado. Como resulta claro, esta intervenção conduz o técnico a envolver-se na acção num regime de familiaridade, talvez o mais propício a redescobrir, por sob os sedimentos ásperos das marcas de um processo desqualificante e, num certo sentido, aniquilador, a história de uma vida que, como outras vidas, busca sentido identitário e, talvez ainda, o reconhecimento no olhar do outro. Isto é, também - a reconstituição do(s) laço(s) social(is).