quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

A identidade - entre a narrativa biográfica e a imagem fugaz



Imagem extraída de: http://www.yapi.com.tr/V_Images/2007/sektorel/52059-1.jpg


Jean-Claude Kauffmann alarga e aprofunda o conceito de identidade trabalhado por Claude Dubar. Assim, olhando para a transacção subjectiva realizada pelo indivíduo, Kauffmann diz-nos que ela se configura em termos de continuidade e ruptura, é certo, mas que importa também acrescentar a esta primeira uma dinâmica adicional.


Segundo este autor, a identidade não é a mesmidade absoluta (como a identidade entre dois números iguais), mas desde logo um processo de construção narrativa de si próprio (ipseidade). Assim, a identidade não é uma substância, mas um elemento de coerência num conjunto diversificado de imagens resultantes de um percurso de vida. A identidade como construção narrativa, que representa a busca individual de um sentido para a vida e também uma tentativa constante de constituição de um ego consistente, faz-se, porém, a partir de "materiais" fragmentários, por vezes de pequenas e fugazes identificações, de imagens de si momentâneas e que a todo o momento confrontam o indivíduo com a sua própria diversidade.


Para Kauffmann, por conseguinte, importa integrar na análise das identidades estas outras identificações - chamemos-lhes imediatas - e perceber como os esforços de integração das mesmas numa narrativa de vida são encetados pelo indivíduo, em moldes que possam significar, nos termos de Dubar, uma continuidade ou uma ruptura.


Kauffmann distingue, pois, a identidade biográfica, cuja principal "função" é a constituição de um sentido geral, uma narrativa de si-próprio, da identidade imediata, cuja "função" é pragmática: num contexto de acção, é uma imagem que o ego se faz de si próprio em ordem a seleccionar uma via de acção. Um exemplo desta segunda é o da confrontação, subjectiva e momentânea, de imagens de si próprio contrastadas, que põem em cena representações de si mesmo oriundas de diferentes sistemas normativos, como quando o indivíduo, perante uma tarefa difícil, se experimenta a si mesmo, de um lado, como trabalhador aplicado, sério, esforçado e, de outro lado, como alguém orientado pelo prazer, que se pergunta porque as pessoas se sacrificam a tarefas tão insignificantes como aquela, porque não vivem antes a vida... e decide em seguida, a partir de uma das imagens de si próprio.


A distinção entre estes dois "registos" identitários é muito importante de um ponto de vista metodológico: ela aconselha-nos a diferenciar a identidade narrativa que nos é contada, digamos, por um entrevistado, das formas identitárias mais fugazes e operatórias que ele pode mobilizar em contextos específicos de acção.