quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Integração de diferentes regimes dinâmicos nas organizações


















Para abordar o tema do Programa da UC que titula este post, dedicarei algumas palavras à sociologia pragmática, nomeadamente num dos seus capítulos-chave, a sociologia dos regimes de envolvimento na acção (Thévenot, 2006).

De acordo com os autores que vêm trabalhando este quadro teórico (Thévenot, op.cit., Boltanski e Thévenot, 1991), os indivíduos, quando procuram coordenar a sua acção com a de outros, fazem-no através de diferentes “modos de entrada” nessa mesma acção. Para Laurent Thévenot, estes “modos” podem ser adequadamente entendidos como diferentes regimes de envolvimento na acção. Diz-nos o autor (Cfr. op.cit., traduções do francês da minha responsabilidade): "De forma diferenciada dos modelos de acção que colocam o acento sobre o actor, sobre a sua colectividade ou individualidade, a sua consciência ou inconsciência, a sua reflexão ou irreflexão, a nossa caracterização dos regimes de envolvimento põe em evidência a moldagem conjunta da pessoa e do seu ambiente, que requer o seu envolvimento".

Os principais eixos diferenciadores dos diversos regimes de envolvimento na acção, no seio desta perspectiva, são, diz-nos Thévenot, a avaliação ou julgamento que os indivíduos fazem, em situação, sobre a sua própria conduta - procurando uma acção conveniente à situação específica em que se encontram - e o apoio que essa avaliação ou julgamento encontra na própria situação (Cfr. Idem): "Distinguimos as formas pelas quais a realidade é experimentada e a forma pela qual a conduta é avaliada em cada uma delas. A noção de conveniência (…) é empregue para distinguir as avaliações do envolvimento segundo regimes, porque ela oferece-se a graduações. Ela conduz a caracterizar a dinâmica de cada um dos regimes a partir da forma de avaliação que a governa e do género de apoio que ela encontra no ambiente material do agente".

Sobre estes parâmetros analíticos, Thévenot identifica três diferentes regimes de envolvimento na acção, os quais variam entre um modo de envolvimento mais íntimo e pessoal e um espaço de constrangimentos convencionais típicos da esfera pública, mais geral e racional. Assim, para o autor francês, temos três grandes regimes de envolvimento, distribuídos sobre um eixo que vai do singular ao geral: o regime familiar, o regime de plano e o regime público, diferenciados em função do julgamento feito pelo indivíduo em situação sobre a forma de coordenação conveniente à mesma num eixo de gradações de generalidade das relações entre os seres em presença.

O autor define assim o primeiro destes regimes (Thévenot, 2006): "No regime de envolvimento familiar, o bem mantido está localizado e é personalizado. (…) O bem-estar experimentado na comodidade de um entorno depende estreitamente da pessoa que se acomodou ao mesmo e do desenvolvimento da familiarização efectuado perto de um meio moldado pelo uso".

Temos, assim, um mundo familiar, no qual os agentes se envolvem na acção de uma forma muito "próxima". Este envolvimento não passa por executar esforços de colocação dos seres (humanos ou objectos) em presença sob qualquer princípio de equivalência quando agem. Por outro lado, o registo de proximidade pode ser exemplificado com as minudências que utilizamos para trabalhar com um objecto ou pessoas que conhecemos profundamente, como quando eu bato no tablier do meu carro, tendo uma expectativa razoável de que a luz que se apagara do velocímetro acenda após este gesto, que já vi ser eficaz anteriormente. Este mesmo gesto seria algo que não teria facilidade de explicar a outra pessoa, até por constrangimentos de ordem moral ("não se bate assim no carro, até porque se estraga!"). Aqui, mesmo a linguagem verbal não é analítica (por exemplo entre duas pessoas) e pode parecer até estranha, dado o seu carácter intrinsecamente generalizador (a palavra "copo" designa todos os copos possíveis e há sempre um desvio face a este copo concreto, que tenho na mão e que é o referente que parece escapar à linguagem, num registo familiar).

O regime de acção em plano, por seu turno, envolve uma subida em generalidade das relações entre os seres em presença, na medida em que se desloca para lá do círculo das solidariedades construídas pelo uso íntimo (Cfr. idem): O regime de acção em plano corresponde a um nível de envolvimento tão comum que corre o risco de se tornar invisível na especificidade da sua apreensão dos eventos enquanto condutas humanas. (…) É a promessa que conhece uma modalidade mais formalizada nas organizações: o projecto. O envolvimento em plano alarga-se ainda tendo ao ter-se em conta o outro na sua própria capacidade de agente individual envolvido no seu plano. O envolvimento é, então, estratégico, levando outro(s) em conta, assimetricamente.

O regime de plano aproxima-se, frequentemente, de uma acção funcional face a um projecto mais ou menos explícito. Neste caso, os objectos e os humanos tendem a ser trabalhados na acção em função das expectativas incorporadas na situação e que remetem para "planos" mais ou menos partilhados pelos intervenientes (que podem ser "outros generalizados", na perspectiva de George H. Mead, como colectivos mais ou menos generalizados - classe, partido, por exemplo -, embora isto seja mais típico do regime público; o "ser" social mais próprio, aqui, é a organização).

Finalmente, o regime de maior generalidade na forma como os indivíduos julgam e coordenam as suas acções em situações específicas é o regime público. "Aqui, o envolvimento é apreciado segundo uma ordem de grandeza legítima que se apoia numa especificação do bem comum (…). A realidade de nada faz prova senão quando é publicamente qualificada segundo esta grandeza em termos de preço, de eficácia, de renome, etc. A pessoa encontra garantias para o seu envolvimento na disposição das coisas qualificadas, num dispositivo do seu agenciamento coerente. O agente é uma pessoa qualificada segundo a grandeza, não apenas um simples indivíduo. O seu poder legítimo repousa nesta qualificação que marca a sua participação no bem comum. Uma coordenação de um conjunto complexo de acções implicando ajustamentos recíprocos à distância, com actores anónimos, faz advir uma procura de garantia pública, correspondente a este regime" (Cfr. Thévenot. op.cit.).

Livros:

BOLTANSKI, Luc, THÉVENOT, Laurent, De la justification. Les économies de la grandeur, Paris, Éditions Gallimard, 1991

THÉVENOT, Laurent, L’action au pluriel – sociologie des régimes d’engagement, Paris, Éditions La Découverte, 2006

O que é interessante aqui é darmo-nos conta da forma como estes diferentes regimes de acção são mobilizados pelas pessoas nas organizações de trabalho, como eles geram tendenciais conflitos e tensões entre si e como as pessoas se envolvem num trabalho de crítica, negociação e construção de acordos que permitam compor as determinação dos diferentes regimes entre si. Centremo-nos em apenas dois destes regimes, o familiar e o de plano.

Por exemplo, num regime familiar as pessoas tendem a envolver-se no trabalho num registo personalizado e, em grande medida, informal. O tipo de saber que mobilizam para o seu trabalho é um saber também ele informal, localizado, amplamente tácito e sem planos e objectivos formalizados. Num regime de plano, por sua vez, o envolvimento no trabalho é mais impessoal, formal; o tipo de saber mobilizado é tendencialmente o saber formal, explícito; o trabalho é altamente planeado e tendencialmente traduzido em objectivos formais.
Estes diferentes registos de acção podem ser tensionais entre si - por exemplo, pode haver trabalhadores, habituados a um regime familiar, que reagem criticamente perante os saberes "teóricos" e "técnicos" daqueles que agem num registo mais formal e, inversamente, estes últimos podem criticar no trabalho dos primeiros uma falta de sistematicidade no seu trabalho, uma tendência para o trabalho casuístico, mais dificilmente generalizável a outros trabalhadores/organizações, "desqualificado", etc.
Por outro lado, estes regimes também podem ser, como dissemos, compostos entre si - por exemplo, quando um profissional cujo poder organizacional repousa amplamente nos saberes formais exclusivos da sua profissão, um médico, tenta adaptar, personalizar, ajustar a sua intervenção técnica a cada caso concreto, ouvindo o doente em profundidade e tentando explicitar as suas soluções técnicas numa linguagem e num registo de proximidade com o doente.